"Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade. Se alguém levasse embora até o que eu não tinha..."
"Índios" - Renato Russo
Comecei este "papo afinado", com palavras e ideias relacionadas com um povo diferente dos nossos padrões de normalidade. Normalidade? Quantas incoerências percebemos em notícias do mesmo tema, apresentadas em Canais de TV diferentes? Quantas CPIs foram criadas nesta última década? "Comissões de Ética" para controlar a qualidade das CPIs existentes. E até uma CPI para controlar a própria Comissão de Ética? Tudo virando pelo avesso.
Há quase vinte anos, cantávamos esta canção do Renato Russo e de certa forma, lembrávamos de um povo inocente, que vivia e trabalhava pelo seu sustento, plantava e colhia pela vida e as famílias já existiam, onde valores morais já se consolidavam dentro de uma cultura sólida.
Aí vêm os "homens diferentes", que se aproximam oferecendo espelhos, presentes e levam sem avisar, uma "história construída ao Sol e ao Som de uma afinação aprendida por gerações.
São aprisionados, mortos por infecções virais das quais não aprenderam a se defender. E sem pedir licença, "matam estes seres humanos que foram condenados sem sequer serem julgados.
Será que nós, seres do Século XXI, conhecido como o "Século das Mudanças", não repetimos com as pessoas diferentes de nós esta mesma "canção" que foi trazida pelos “colonizadores"?
Hoje, os tais "Índios", cantados por roqueiros famosos já vivem em "parques" para não se dizer "zoológicos" disfarçados! É claro que esta "conversa" é uma estrada de mão dupla!
O que cabe a nós revermos é o "tom desta conversa". Será que poderia ser melhor afinado? Será que os diferentes têm "a permissão" de "soltar a voz no coral dos normais"?
De onde veio o título de "dono do mundo"? Sabemos que Chaplin foi genial ao criar, encenar, dirigir, produzir um filme com este mesmo título. Só que este famoso "título" viajou séculos, continentes e hoje vivemos esta busca do poder de ditar o certo e errado, de dirigir e controlar comportamentos criando regras baseadas em paradigmas sem sentido, num mundo no qual todos os sentidos são tão valorizados principalmente a visão sensorial, que domina e é a responsável por 70% de tudo o que é absorvido por nós, seres humanos!
Vivemos a era da "Idade Mídia", na qual os estímulos auditivos "voam" na velocidade do som, mas já estão próximos à velocidade da luz. Tudo estimula nosso olfato, tato, paladar.
Eu já era crescidinha na "Era Mc Donald's", mas foi o auge dos estímulos visuais, auditivos, olfativos, gustativos e até a temperatura dos Pontos de Vendas, dos Locais de Alimentação com a marca McDonald's eram calculados, para atrair o público alvo, para determinados locais do ambiente interno e ficarem mais tempo aqui ou ali para consumirem mais.
Outro ponto é a "Era do Marketing" que sempre existiu, mas com a chegada da "Geração Xuxa" descobriram que as crianças eram o estímulo moto-contínuo do consumo.
Quem é diferente do "padrão defendido, idolatrado por tantas gerações" como o certo, o tolerável, o aceitável é excluído do direito de viver em sociedade com os mesmos deveres, as mesmas regras, as mesmas chances de vencer?
Será que a criança de 2.020 será igual a nós, que fomos crianças há algumas décadas? Com certeza, a velocidade da informação faz parte de sua vida, como natural e não como alucinante. Para grande parte dos leitores deste Artigo, o futuro, a velocidade acelerada da comunicação, do transporte era retratada no desenho de Hanna Barbera. "Os Jetsons".
Será que esta criança do futuro aceitará, com maior naturalidade, uma criança diferente? Com certeza, isto acontecerá a partir do que fazemos hoje. A forma como tratamos os diferentes de nós é o tom que introduzirá os novos conceitos, a nova maneira de entender e ver as diferenças não como ameaçadoras, mas sim, como naturais.
“... O homem se humilha se castram seus sonhos. Seu sonho é sua vida e vida é o trabalho. E sem o seu trabalho, o homem não tem honra e sem a sua honra se morre se mata..."
"Guerreiro Menino" - Gonzaguinha
Tanto já se falou de aceitarmos as diferenças que a Diversidade é uma realidade e é impossível não existir, uma vez que estamos falando de pessoas, e pessoas são diferentes em sua essência, na sua razão de ser e estar.
Neste artigo, nosso foco é a questão profissional. Então usar esta estrofe da canção do Gonzaguinha faz sentido? Ou seja, falamos de pessoas diferentes, olhando para elas, como profissionais por direito e por conquista.
Então, o título deste Artigo é redundante? Isto é, por que falar em "vida em constante afinação"? Vida traz o sentido de ser, existir, produzir, estabelecer processos fisiológicos, motores, sensoriais, intelectuais e emocionais.
A constante afinação traz, implicitamente, a interpretação de um exercício, energia investida segundo objetivos e visando determinadas metas, consolidadas em competências aprendidas e treináveis. A palavra afinação é sinônima de acertar, combinar os tons de forma a gerarem um resultado harmônico e que satisfaça suas ansiedades, anseios e expectativas.
Trabalho é honra nesta canção, é sonho, é realização de direito e de fato. E sem estas realizações não persiste sua própria vida ou de quem não permite que este sonho e esta honra sejam satisfeita. É mais do que se cumprir uma legislação específica para permitir que pessoas que fazem, e são a diversidade, possam trabalhar. As Leis ao Brasil chegaram aproximadamente, cinquenta anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos no mundo.
Será que só as Leis que ditam direitos das pessoas "diferentes" são suficientes para tornar realidade um fato tão natural quanto uma nacionalidade, crença religiosa, cor de olhos? Nós, que somos profissionais, que optamos por trabalhar COM pessoas (e não PARA pessoas) temos como "missão" respeitar os direitos e as necessidades individuais.
Desta forma, trabalhar para "Incluir" pessoas com deficiência no mercado de trabalho é uma tarefa natural. Tão natural quanto selecionar alguém que tem fluência no idioma Inglês e outro que tenha esta mesma fluência em espanhol. Ou quando estamos selecionando um digitador de microcomputador e de repente, na nossa frente aparece uma pessoa que não tem as duas mãos para ser entrevistada.
“... Vou seguindo pela vida me esquecendo de você já não quero mais a morte tenho muito que viver. Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver..."
"Travessia" - Milton Nascimento
A travessia é longa e não vale o tempo investido e a energia aplicada se não tomarmos as palavras do Milton, como rumo, como meta. Fazer com "nosso próprio braço" a nossa vida traz uma mensagem de não podermos "delargar" o que é nossa missão.
Quem deve aceitar as diferenças somos nós! Ninguém pode e nem vai assumir esta decisão.
É fundamental sabermos ver, ouvir, compreender, analisar e ressignificar o nosso conceito para cada tipo de deficiência. Eu falo da necessidade de não ver a pessoa com deficiência visual, por exemplo, como além de cega, ser surda sem conhecê-la ou ter conhecimento prévio sobre sua questão.
Para nos prepararmos tecnicamente, existem recursos, instrumentos, caminhos a serem trilhados. Temos que aprender a aceitar estas diferenças e ver talento e competência no que se pode fazer no que existe de força e capacidade de ser estimulado e o potencial ser transformado em resultado real e visível.
Isto depende única e exclusivamente de nós! De cada um de nós! Se não houver nem a abertura para parar e permitir rever de nada adiantará receber informações teóricas e técnicas.
A convivência é fundamental. Quem nunca conviveu com alguém com um tipo de deficiência não tem dados reais e lida mais com as suposições e preconceitos. Daí a oportunidade dos profissionais de RH e das empresas em incluir, propiciar esta convivência aos seus funcionários.
Vamos exercitar constantemente nossa entrega e afinação com a vida. Ganharemos o festival, se cantarmos juntos.
Lilian Cury
Pós Graduada em Tecnologia Assistiva para Autonomia, Independência e Inclusão da Pessoa com Deficiência pela Fundação Santo André/ITS Brasil/Fundação Don Carlo Gnocchi (Itália/Milão). Psicóloga pela Universidade de São Paulo (1984), com cursos de Especialização, Congressos e Seminários Nacionais e Internacionais, na área de Recursos Humanos e Qualidade & Produtividade.Desde 1991, Consultora na atuação junto a empresas dos setores: serviços; Industrias e Comércio. Em 2000, no auge da sua carreira como consultora, perdeu a visão devido a tumor no nervo óptico e desde então milita pela causa da inclusão.
Atuou em empresas como Vasp, Credicard SA , COFAP, SENAC, SENAI e CMGB Fortaleza. Colaborou com um capítulo do livro “Psicologia do Excepcional”.
Eleita Presidente Voluntária e Coordenadora de Relações Públicas do CADEVI (Centro de Apoio ao Deficiente Visual) Gestão 2008/10.
É consultora especialista da Training People em temas relacionados a Inclusão de Pessoas com Deficiência.